terça-feira, 6 de maio de 2014


Estás prestes a explodir? Ou precisas de alimentar ainda mais a tua mente de vulgaridades? Sento-me num banco de jardim, não o faço há muito tempo. O cheiro das árvores deixa-me meio tonto, mas o meu olfato bate palmas de contentamento. Não penso em nada, mas sinto-me preenchido por migalhadas de tudo. Por mim passam estranhos com olhos fixos no chão. São constantes os arrepios que me percorrem, arrepios que surgem de corpos sem força para dar mais um passo. Quero gritar-lhes “sorriam”! Não o faço, não me ouviriam, são apenas mentes gordas que se alimentam de tristezas e mágoas, que sobrevivem na auto-estima consumida por desgostos, desgostos que não permitem vislumbrar o caminho certo para fugir da melancolia onde estão presos.
 
Ao meu lado senta-se uma velhota. Na casa dos 70 anos, suspira e olha-me nos olhos com um apelo de solidão! Sorriu e mostro-me disponível para conversar. Não há pensamentos, não há confusão, o sentimento é límpido como a água de um rio que corre calmamente, percorrendo os recantos mais sombrios daquela alma. Fala-me do tempo, fala-me da Lisboa de antigamente. Diz-me que pareço o neto dela, o neto que não vê há 10 anos. Mostra-me uma fotografia, chora, sem vergonha. Não se esconde por trás de sorrisos que não têm razão de existir. É transparente, diz-me que sofre, que se sente só, que perdeu a vontade de viver no dia em que a filha a deixou para trás. No seu amor incondicional não a culpa, defende-a até: ”seguiu o caminho com a sua família”! Baixa a cabeça e as lágrimas caem no chão como sonhos que já não se podem concretizar! É uma alma vazia de tanto amor!

Agarra-me na mão e agradece-me. Faz uma festa no meu rosto, diz-me que vou ser muito feliz, que está escrito nos meus olhos. Não abri a boca uma única vez, mas partiu como se tivesse falado comigo uma vida inteira. Recosto-me tão feliz. Do outro lado da rua um casal discute. As palavras proferidas num tom elevado ecoam para as quem quiser ouvir. Acusações e ofensas, choro e vaidade. Dois egos que lutam, mentes que se alimentam, com o passar dos segundos, de mais e mais acusações, mentes que estão prestes a cometer uma loucura. Ele levanta a mão e bate-lhe. Ali, à frente de quem passa. Caiu, desamparada. Vociferou, levantou-se, olhou-o com tanto ódio que quase o fez explodir. Virou costas. Ninguém se mexeu, ninguém procurou ajudar. Ninguém resistiu à tentação do “não quero ver”! Eu vi, mas não tenho força para mentes gordas de violência!

Acendo um cigarro. A sensação de desconforto apoderou-se do meu corpo inerte. Precisava de um laivo de genialidade para me sentir em paz de novo. Nos meus olhos permanece a agressão, nos meus ouvidos a mágoa daquela mulher desprovida de qualquer sentimento bom. Sem esperar sinto-me abraçado. O cheiro é familiar, a voz ternurenta, o toque suavemente intenso! Deslizas no meu rosto e sentas-te ao meu lado. Não há palavras para descrever a tua beleza, não há quadro que consiga perpetuar a tua simplicidade original, não há mente que não deseje engordar com o teu amor. Para mim tu és perfeita e o meu desconforto enche-se de rejúbilo ao sentir-te, na certeza que a solidão não existe contigo por perto, que a dor e a mágoa são sentimentos que não nascem a cada sorriso teu. Em ti tudo é coração cheio, na caracterização mais perfeita de uma mente feliz.

TG

quinta-feira, 13 de março de 2014


Recuo no tempo e imagino que tenho 25 anos! Já está, foi rápido, e neste momento estou a escolher o meu primeiro carro! Acabo de adquirir um Citroen 2 CV amarelo com riscas azuis, onde se pode ler a seguinte inscrição: até te levo ao céu! Está bem, os verdadeiros machos não têm carros amarelos, mas eu não sou macho, sou homem, por isso comprei um 2 CV amarelo com riscas azuis, qual tigre de Chelas, mas fofinho, porque fofinho é meio caminho andado para me chamarem bebé ou piu-piu. Sento-me ao volante, ligo a ignição e oiço o motor pela primeira vez! Arrepio-me com o seu chocalhar, tal como me arrepiei na primeira vez em que beijei uma mulher que realmente gostava de mim. Fecho os olhos e imagino a viagem que vou realizar sentado nestes bancos de napa azul, com o rádio a tocar alto a música dos Peste e SidaGingão!

Chego a casa e pego num lápis, num papel, numa borracha e aponto tudo o que quero levar nesta odisseia. Cuecas, escova e pasta de dentes, saco de cama e cigarros, livros de auto-conhecimento e revistas da Maria que o meu avô compra para ler o consultório sentimental e ver umas mulheres semi-nuas. Numa caixa de madeira guardo todas as palavras que, no passado, falaram de tristeza, angústias, desamor e desilusão! Tiveram importância na altura devida, agora vou enterra-las no sítio mais bonito que contemplar, deixa-las partir. Acredito já não ter capacidade para dramas de quinta categoria, tenho dito. No meu coração prefiro transportar apenas sonhos, amor, aquele que ainda não conheci, aquele que conheci e perdi, ou ganhei! Tenho apenas 25 anos…


Parto rumo ao futuro que desejo receber, sem medos, sem obras ou remodelações, sem permitir que ninguém vença duas vezes, uma chega. No horizonte o sol desaparece adormecendo o dia, dando lugar à noite que me guiará para junto de quem me espera. No rádio toca o Heaven - Bryan Adams. Tenho 25 anos, ainda acredito que um dia serei a estrela mais bonita no céu de outro alguém! Por cada lugar que passo, por cada cama nova onde me deito, há sempre um corpo que me deseja, mesmo que não perceba quem sou. Alguém que me abraça, mesmo sentindo que nada de mim terá para receber, alguém que me oferece o seu desejo, para fugir da minha alma! Há dias, no entanto, em que durmo no aconchego do meu 2 CV amarelo com riscas azuis, dias em que não quero levar ninguém ao céu, muito menos sentir-me o chão de alguém.


Desligo o meu 2 CV, há algo neste lugar que me deixa feliz. Em redor nada existe, apenas um vento quente que me reconforta. Surges silenciosa, alegre no teu coração e na tua alma, com vontade de amar alguém mais uma vez. Penso que me vais assaltar com uma pistola semi-automática, mas sentas-te comigo no meu tigre poderoso/fofinho e nada dizes. Há qualquer coisa no teu olhar que me faz querer correr nu, há algo no teu sorriso que faz o meu peito ficar sem ar. Podemos ficar aqui uma vida inteira, este é o momento pelo qual sempre esperei, mas acabaremos por ficar com fome, com sede e com feridas nos glúteos. Gosto muito quando o silêncio não incomoda, gosto que te aproximes para me receberes, com as nossas bocas a trocarem os elogios adequados antes de se beijarem. Não sei se estarei aqui para sempre, sei que o sempre é gostar tanto de ti, agora, como se tivesse 25 anos.

TG

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Vejo-te sozinha numa praia deserta a contemplar o mar. Não sei no que pensas, mas estás linda e guardo a tua expressão no meu coração. E no teu coração, sou eu que vivo, ou ficarei perdido num outro caminho que decidiste seguir? Pouco importa saber a resposta, prefiro apenas olhar para ti. És e sempre serás o meu maior sonho concretizado, o meu amor onde quer que estejas, com quem quer que estejas. O silêncio apodera-se da minha voz à medida que me aproximo de ti. Já não oiço o mar de tão inebriado que estou com a tua presença, com o teu perfume. Tento perceber até onde o caminho me levará sem medo que fujas, sem que voltes a dizer adeus e me empurres para a solidão.
 
Procuro encontrar as palavras certas, o toque perfeito para que te envolvas nos meus braços. Quero-te tanto, para toda a vida, não tenho vergonha de o dizer. Não me importava de ficar para sempre neste momento, onde te vejo em paz, sem angústias, onde vejo a tua luz, essa luz que ilumina o quarto onde amanheço. Aproximo-me mais um pouco, sinto-te a respirar forte e posso ver a tua pele arrepiada. Sim, sou eu que estou aqui, sempre, por ti. Quero falar, mas não consigo, o meu coração não permite que estrague este momento. Sabes, só desejo ver o amor nos teus olhos lindos. Não, espera, por favor não olhes para mim já!
 
Parece loucura, mas nunca a tristeza me pareceu tão doce, nunca a felicidade pareceu tão errada. Nunca estive tão perto do buraco negro dos meus sonhos, mas gostar de ti é isso mesmo. É ser louco de amor, é esperar tudo e nada poder conquistar. É ter-te agora e daqui a 30 segundos perder-te para sempre. Eu sei que há algo entre nós, uma linha invisível que nos une apesar da tua vontade que me vá. Mas eu aproximo-me, resisto à tentação de te deixar e estou quase a tocar nos teus cabelos. Vejo-te fechar os olhos à espera dos meus dedos, da minha boca. Deixa-me apenas sentir-te perto de mim, sem dizermos nada. Podia estar em qualquer outro lugar, com outra pessoa, mas nada nem ninguém me faz tão bem como tu, mesmo em silêncio.
 
Toco-te e tremes. Que loucura a tua pele, seda pura onde deslizam os meus lábios de aventura. Afasto o teu cabelo e beijo a tua nuca. O mundo pode acabar, não me importo, sinto-me completamente inundado pelo teu cheiro e já posso viver feliz. Estou num estado de contentamento profundo, não oiço nem vejo nada, apenas me sinto feliz. Quero dizer-te bem baixinho que nada se compara a ti, mas não consigo, a minha boca está selada no teu corpo que percorro corajosamente. Viro-te para mim, beijo-te e quando os teus olhos procuram os meus, desarmo-te ao fazer-te sentir que és tudo para mim!
 
TG
 

 
 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Zé Nando encontra-se em frente ao espelho partido do seu WC. Ajeita a gravata cor-de-rosa, o casaco roto nos cotovelos, lava os dentes com o dedo indicador, porque a escova há muito caiu na sanita e ali permanece. A brilhantina acabou e, nervoso, cospe nos dedos mexendo no cabelo pela milésima vez. Hoje, espera que seja o capítulo inicial do seu amor pela Débora. Quer tê-la para sempre ao seu lado. Decidido está, vai pedi-la em casamento, contra ventos e marés, ou melhor, contra facadas no abdómen e ameaças de olhos varados por parte da sua amada. Encaminha-se para a porta não sem que antes pise violentamente mais duas baratas que vagueiam pelo seu quarto em busca de um lugar quente e gorduroso. São 21 horas e 49 minutos. Caminha apressadamente pelas ruas quase desertas do bairro onde viu, pela primeira vez, o amor da sua vida. Com quatro rosas na mão roubadas de manhã no mercado da zona, reza a São Raimundo, padroeiro dos homens baixos e com azar na vida, para que o seu amor seja correspondido, que a sua boca seja beijada como um fogo que arde e bem se vê, mas é rapidamente abordado por dois sujeitos.

As suas preces, ainda a caminho do céu, e a sua incapacidade muscular impossibilitam qualquer tipo de defesa e, numa fracção de segundo, roubam-lhe a carteira onde religiosamente guardava a nota de cinco euros dada pela sua tia quando saiu da prisão. Pretendia levar a Débora a comer um hambúrguer ao MC Donalds, mas acabou com o lábio aberto e o nariz a sangrar. Sentado no chão pensa em desistir, pensa que nunca terá sorte na vida, mas o amor pela sua gordinha de carnes flácidas está impregnado no seu corpo, como uma droga dura que o faz recuperar rapidamente. 

Decidido, tira a gravata rasgada, limpa o sangue que escorre da sua boca, cospe para as mãos e arranja mais uma vez o cabelo. 
- Débora sou eu, o teu Zé Nando, abre a porta. 
- Porra, já começas, pára com isso, ainda me cortas todo com esses pratos. Não sabes que podes furar-me a cabeça se isso me acerta?! 
- Desce, tenho um presente para ti que vais adorar e um pedido para te fazer. Débora, o saco do lixo, achas bem?!! 

Abruptamente a porta abre-se. Débora Paulo surge de meias de liga encarnadas, fio dental sem que se perceba onde está o fio, e uma camisa de noite roxa. 
Zé Nando quase desmaia. 
- Meu amor, que saudades, estás linda, que combinação maravilhosa, encarnado com roxo. Andas a ler revistas de moda não é meu leitãozinho? 
- Bolas, amor, porque me deste um estalo? Elogiei-te! Já vou ficar com outro olho negro... Estás forte leitãozinho, adoro essa gordura acumulado nos teus bíceps. 
- Toma, estas lindas flores são para ti. Eu sei que não estão frondosas, mas foi o que consegui salvar. Antes de chegar fui assaltado por dois gajos do bando do Navalhas, mas, mesmo assim, consegui recuperar estas duas rosas vermelhas, estão intactas. Gostas? Não as pises meu leitãozinho, não, frondosas não é insulto ao teu buço farfalhudo, é apenas uma palavra que ouvi uma vez da boca de uma senhora ali para os lados de Telheiras. 
- Mais calma? 
- Tenho outro presente para te dar. Lembras-te no dia em que foste à festa em casa da Micaela Andreia e dançaste a noite toda ao som da Rosinha? Sim aquela que canta “Com a boca no Pipo”? Aqui tens o álbum, o Valdinei tinha-o lá na prisa e orientou-me para te dar presente. Ele quer muito conhecer-te, precisa de umas dicas sobre depilação, coitado, tem imensos pelos no fundo das costas e nas virilhas e como tu dizes que usas bem a gilete, ele quer saber como fazes. - Gostaste? Mas conta-me tudo, como estás meu amor? Ocupada com o quê?!!!! 
- Não Debinha, por favor, não vás, fica aqui comigo porque tenho mais uma coisa para te dizer. Esquece que o Zé Prego está na tua cama, ele é careca e cheira sempre a óleo de motor, senta-te aqui ao meu lado, por favor. 

Aquele homem apaixonado ajoelha-se. Coloca a mão no bolso, olha para a sua amada e declara-se: - meu leitão mais saboroso, aceita esta aliança, queres casar comigo? Tens todo o tempo do mundo para pensar, mas por favor não me batas, já estou todo dorido. 

Débora pega na aliança, olha para Zé Nando, de novo para a aliança e, qual milagre, revela-se: 
- Meu grande estúpido magricela, porque demoraste tanto tempo a pedir-me em casamento? És muito burro. Não percebes quando uma mulher está apaixonada por ti? Era preciso dar-te mais sinais? Chamei-te todos os nomes que fui aprendendo com a minha avó sempre que ela insultava o meu pai, ameacei-te, recusei-me a dar-te beijos, nunca me tocaste porque sempre que o querias fazer levavas na tromba, que mais precisavas para perceber que te queria? Não vês os filmes amaricanos na TVI? 
- Fónix Zé, estava à espera deste momento há muitos meses. Agora, bem, agora não posso aceitar o teu pedido. Nunca mais te decidias e eu pensei que acabarias por morrer na prisa ou virar panilas por causa do Valdinei. Vou casar-me com o Zé Prego, comprámos uma casa ali na Zona P e vamos ser muito felizes para sempre. Ele não é tão sensível como tu, aliás dá-me grandes palmadas na peida, mas tem dinheiro do negócio de peças de automóvel que rouba ali para ao lados de Belém. Chegaste tarde meu escanzelado, mas quero que saibas que todos os murros que te dei foram com muito amor. Agora desaparece, estou com fome e vou subir. Leva este anel fininho em latão, não te quero ver mais, nunca mais - diz Débora fechando a porta com estrondo. 

(continua)

TG

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Parti, não por necessidade, parti para terminar os meus estudos. Fi-lo depois de muito trabalhar, de muito estudar, depois de ter apresentado um projecto no local certo, às pessoas certas, que confiaram nas minhas ideias. Eram 23 horas, do dia 17 de Janeiro de 2014, quando me despedi da minha família e de amigos. Abraços, sorrisos, lágrimas, umas mais intensas, outras no canto do olho. Lembrei-me do Bonga, vim para África, alegre, apesar do coração apertado por deixar, por uns meses, de estar perto dos meus. Embarquei num avião da STP Airways e dormi, imediatamente. Não vi mar, não vi o céu africano, não vi nada, sonhei apenas. Ainda procurava abrir os olhos totalmente quando a porta do avião se abriu. O lugar-comum do “cheiro de África” deixou de o ser: sim esse cheiro existe mesmo, é uma mistura de terra com um ar muito quente, que nos bate no rosto de forma intensa e no primeiro inspirar nos enche os pulmões como nunca antes. Tossi, maldito tabaco, ou bendito ar puro! Caminhei pela pista, suei entre um calor estranho e uma sauna de humidade! No posto de controlo respondi ao que me perguntaram e ali, naquele momento, percebi que leve-leve será a minha estadia em São Tomé e Príncipe. Recebido simpaticamente pelo Celso, responsável do Programa Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA), rumei à cidade.
 
Descrevo-vos São Tomé de forma simples: é uma cidade bastante pequena, que parou no tempo, com imensos edifícios coloniais. Poucos, muito poucos, são os que foram construídos pós-independência. Nenhum, mas nenhum, tem qualquer parecença com a Lisboa que deixei e foi esse charme e personalidade que me fez adorar, desde logo, a cidade. Giro, ou melhor, fantástico é o facto de tudo se passar na rua. Como está sempre imenso calor, as pessoas fazem a sua vida nas ruas e ruelas, lavam a roupa, cozinham, negoceiam, cantam e dançam. É uma cidade pobre, o embate social, económico e cultural é comparável a um murro forte nos rins, mas a alegria é tanta que me envergonho das “queixinhas” que algumas vezes fazia em Lisboa. É "leve-leve” amigo português! Adoro a expressão. Leve-leve significa que tudo se faz tudo com muita calma e paciência, num ritmo bastante lento, sem stress, “cuida do coração”. Por mim em seis dias já tinham montado todo o arsenal para iniciar o projecto, por mim, digo bem, por eles é mais uma constante boa disposição, sempre acompanhada de música, uns passos de dança e vai-se fazendo. Aceito, não são eles que se têm de adaptar aos meus hábitos, mas aceito com um sorriso. Talvez volte para casa com a mesma vontade de ser pró-activo, mas bem mais compreensivo perante os percalços da realidade. E a rir, sempre.
 
Existem, no entanto, momentos em que não é possível esboçar sequer um sorriso. Reparem, uma centopeia decidiu dar-me as boas vindas ao meu novo lar. Certo, era só uma centopeia, certo que me foi explicado que são venenosas (não mortais, claro, provocam apenas grandes inchaços), mas tinha o tamanho de um palmo de mão. Isso, um palmo, 15/20 cm de bicho! A hesitação foi entre o pegar na dita, fazer-lhe uma festinha e pô-la na rua ou… não interessa! E ontem, bem ontem enquanto via um filme na minha cama mosquiteira, pareceu-me que algo estranho me observava na parede. Não liguei, pensei que era imaginação, mas depois a minha atenção ficou presa, tão presa, qual amor esfusiante de lábios encarnados a voarem no céu africano: era, apenas e só, uma aranha do tamanho da minha mão, coisa pouca, pequenita e fofa. Reparem, eu escrevi, do tamanho da minha mão, sejam solidários! Acho que na minha vida nunca dei tanto valor a chinelos. Adormeci meio a medo, não escondo. Às seis da manhã já anda tudo na rua. Aqui acordam por volta das 05:00, hora do nascer do sol, as escolas começam às 07:00 e acabam às 17:30. E como a população toda sabia da minha vinda, oferecem-me três momentos do dia que me fazem sentir mais em casa: existem três horas de ponta, um trânsito brutal (06:30, 12:30 e 17:30). Imaginem a A5, na zona do Monsanto, às 23:00, é quase igual, mas um bocadinho menos.
 
Sim, já sei, comida! É simplesmente deliciosa, o Eleven ao pé da Dona Lilia é um restaurantezinho! Adoro banana-pão, adoro as espetadas de búzios e as folhas de matabala. Aqui existe uma panóplia de frutas inacreditável, muitas que nem conhecia e em todo o lado, em todas as árvores. E eu até percebo que só passaram seis dias, ainda é novidade, mas se quero comer uma goiaba vou ao meu quintal e apanho da árvore! Ou um mamão (que é a papaia de cá) também aqui tenho. O peixe, bem o peixe é frugal! Ok, frugal numa cidade tão pobre parece exagero, mas chega do mar directamente para a grelha, fresco, e depois é bem cozinhado! E mesmo que esteja a ser comido em pratos com 60 anos e sentado num tronco tudo me sabe deliciosamente bem. Carne quase não existe e a que existe é bastante cara. Disseram-me que me arranjam uma cabra a um preço bom, mas que tenho de ser eu a mata-la e cozinha-la. Viva o peixe, o pouco colesterol, a silhueta e a vida das cabrinhas!
 
Nota1: a minha vida passou dos 80 para os 8, mas um 8 cheio de coisas positivas e com uma nova perspectiva de como é viver, aprender a viver, mesmo.
 
Nota2: poucas são as pessoas com que me cruzei que sabem ler e escrever e nós em Portugal com tantos professores desempregados. Uma cooperação mais activa entre os dois países ajudaria, não?
 
Nota3: uma criança de seis anos perguntou-me: “o que és tu?”. Nunca tinha visto um branco na vida.
 
MG/TG

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Vais partir, não naquela estrada, como cantou o outro senhor, mas de avião, para longe, bem longe. Vais e eu vou chorar. Ainda estou indeciso, mas parece-me que vou chorar um pouco mais do que o Cristiano Ronaldo chorou quando recebeu a Bola de Ouro. Dentro de mim, bem lá no fundo, eu sei que é bom partires para “ganhar Mundo”, estudar, conhecer novas culturas, ajudar pessoas num país cheio de carências, um país pobre que tu vais enriquecer com essa luz tão tua. Mas, mais à tona, o egoísmo toma conta do meu coração. Sou de carne e osso, desculpa-me, mas quem me vai ligar e dizer: “então gorda?”. Ninguém! Ninguém terá essa coragem, só peso 59 quilos, não vou ser a gorda da vida de outra pessoa nos próximos meses. Isso deprime-me! E diz-me se souberes, a quem vou recorrer quando me derem os ataques de “pré-adulto” e quiser trocar roupa? Pior, nos próximos seis meses ninguém vai pensar que és o meu irmão mais velho, como fez a senhora do El Corte Inglês, situação que te traumatizou durante tantos anos e que fez a mãe gastar rios dinheiro em terapias. O lado bom é que vais parar de dizer que te deixei cair no chão no dia em que nasceste e que ficaste assim por minha culpa. Tudo bem, assumo, se o “assim” foi tornares-te tão giro, com tanto carácter, ser trabalhador e muito inteligente, então deixei-te cair.

Não te esqueças do comprimido para dormir no avião. Desta vez não vais poder segurar a minha mão quando levantares voo e aterrares. E escusas de vir dizer que sou eu que tenho medo, inventaste esse mito urbano, mas ninguém acredita. E aposto que a 17ª coisa que vais fazer é dar um grande mergulho em praias paradisíacas e desertas, mas cuidado, há tubarões, correntes fortes e outros bichos estranhos. Porra, eu sei, não quero parecer um velhinho cheio de medos, mas vejo-me obrigado a fazer-te prometer que vais ter cuidado. Promete! Sabes, não tens ali o irmão mais velho para te ajudar, entendes? Eu prometo, por outro lado, cuidar da Jéssica Débora, ela vai estar ainda mais verde quando tu chegares. E se o Sporting for campeão, comemoraremos via Skype, tu a correres nu em ruas africanas e eu aqui por Lisboa. No dia seguinte seremos capa de jornais: Irmãos correm nus e derrubam postes de electricidade com um portátil na mão. É um disparate, eu sei, devia ter mais juízo, mas é com disparates que consigo demonstrar que me vais fazer tamanha falta. Vais, no entanto, crescer e fazer-te definitivamente homem, um grande homem e isso é o suficiente para mim, porque entre irmãos não há nada que separe o amor.

Não bebas coca-cola no avião, inchas!

Para o meu irmão Miguel

TG

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Amo tudo em ti. Há dias em que amo algumas coisas mais ou menos, mas amo, é bom, faz-me sentir feliz e espero que te faça sentir a ti também! Há uns anos, meio perdido entre corações sempre afectuosos, conheci-te e simpatizei contigo. Foi uma sensação Verão Azul, coisas do meu tempo de adolescência, não ligues! Temi o pior para o meu coração, temi que amasse sem o saber fazer, mas tu ajudaste-me corajosamente. O corajosamente talvez seja exagero da minha cabeça, para dar enfâse a algo que foi tão simples, tão bonito. E amo, todos os dias, tudo, algumas coisas mais ou menos, mas amo! A tua capacidade de me fazer rir devia ter uma patente registada. Não que seja difícil arrancar-me um sorriso, mas contigo eu rio com os dentes todos, bonitos, aliás, os dentes, dizes-me tu. Rio até chorar, foste a primeira pessoa a conseguir isso! A tua paciência para os meus ataques de indignação ao volante é triunfal. As tuas palavras serenas quando me revolto com as pessoas que me passam à frente nas filas dos transportes públicos é estupidamente gratificante. O teu abraço quando decido ficar bem triste por ser incapaz de lidar com a hipocrisia, faz-me pensar que é por isso que amo, tudo.

Amo quando corres como uma patareca, prestes a abraçar o chão a qualquer momento. Temo pelos teus joelhos, lindos por sinal, temo que fiques com nódoas negras e que pensem que te bato, mas ver-te saltitar a fugir da chuva ou do frio, é como saborear serradura na noite de passagem de ano, mesmo que depois possa ser acusado de violência doméstica. A tua vontade de me beijar de cinco em cinco segundos, reflecte, como o espelho que há tanto tempo desejas comprar, a minha vontade de ficar contigo para sempre, pelo menos de cinco em cinco segundos. E que maravilha é quando começas a bater com o teu pequeno e bonito pé no chão, naqueles ataques de riso que só tu tens, capazes que fazer uma multidão esquecer todas as tristezas das suas vidas. Bate o pé, bate, rejeita o meu “2” para um beijo na cara! Não faz mal, eu sou forte, beijo apenas o amor que demonstras sentir por mim. Só por isso és especial! Quem de fora vê, pensará que é dantesco gostares de mim assim, mas como eu amo tudo em ti, algumas coisas mais ou menos, permite que me deixes cuidar desses joelhos, do teu amor e do orgulho de te ter ao meu lado.

Entraste, espero que para sempre…

TG.